O Futuro Tem Memória: 4 Pilares para a Pastelaria Portuguesa em 2026

O meu percurso, que começou na Lourinhã e me levou a tantas cozinhas/pastelarias pelo mundo, sempre me trouxe de volta ao mesmo ponto: as nossas origens. Acredito que para inovar de verdade, não podemos simplesmente olhar para fora. Temos de olhar para dentro, para o que é nosso, para o que nos torna únicos.

Muitos me perguntam sobre o futuro, sobre as próximas tendências. A minha resposta não está em técnicas passageiras ou em ingredientes da moda. O futuro, para mim, constrói-se sobre pilares sólidos, sobre uma visão clara do que realmente importa.

Partilho convosco os quatro pilares que acredito que irão definir a vanguarda da pastelaria em Portugal até 2026.

1. Voltar a Valorizar o Nosso Produto

A primeira transformação é um regresso a casa. Durante demasiado tempo, procurámos lá fora o que já tínhamos aqui, de qualidade excecional. O futuro da pastelaria de excelência em Portugal passa por um mergulho profundo nos nossos ingredientes desvalorizados e endémicos. É a bolota e a alfarroba, com o seu potencial imenso; são as amêndoas de Trás-os-Montes, do Algarve e a singular amêndoa coberta de Moncorvo. É redescobrir os nossos cereais – o trigo barbela, o centeio, o milho – e valorizar o nosso mel, o nosso figo e as nossas maçãs.

Este pilar não se trata apenas de usar produtos locais. Trata-se de os compreender, de os respeitar e de os elevar à sua máxima expressão. É construir uma relação próxima com os produtores, entender os ciclos da terra e criar sobremesas cuja história começa no campo, muito antes de chegar à nossa bancada.

2. Recriar a Pastelaria Esquecida

Temos um tesouro quase infinito na nossa doçaria regional e conventual, muitas receitas e técnicas que se estão a perder no tempo. O segundo pilar é uma missão de resgate. É ir à procura dessas joias, como as Tigeladas ou as Fatias de Tomar, e trazê-las de volta à vida.

Mas não se trata de uma cópia fiel, de um trabalho de museu. A missão é reinterpretar. É olhar para um doce clássico com os olhos de hoje e perguntar: como posso aliviar o seu açúcar sem trair a sua alma? Que nova textura lhe posso dar? É pegar em clássicos de pastelaria, como o Indiano que eu próprio fazia na Confeitaria Nacional ou o saudoso Bolo Inglês, e dar-lhes uma nova dignidade, mostrando que a nossa tradição é uma fonte inesgotável de inspiração.

3. O Luxo Sustentável

O luxo na pastelaria de 2026 não será medido pela opulência, mas sim pela inteligência e pela consciência. O verdadeiro luxo é a sustentabilidade levada ao extremo: o respeito absoluto pelo ingrediente e a eliminação total do desperdício.

Isto transforma a nossa forma de criar. Uma casca de fruta não é lixo, é a oportunidade para um xarope complexo. O pão do dia anterior é a base para o crocante mais incrível. Esta filosofia obriga-nos a ser mais criativos e engenhosos. É um luxo que não se exibe, sente-se. Está na pureza de um sabor obtido com o mínimo de impacto ambiental e na elegância de uma cozinha que valoriza tudo o que a terra lhe dá.

4. A Pastelaria de Emoções

O pilar final é o mais humano de todos. A técnica, os ingredientes e a sustentabilidade são o corpo da nossa arte. Mas a alma está na emoção que conseguimos provocar. O futuro da pastelaria será criar com uma intenção emocional clara, seja ao provar uma simples Queijada, de norte a sul e ilhas, ou uma criação mais complexa.

Uma sobremesa pode ser um abraço, uma memória de infância, um momento de pura surpresa. Isto consegue-se através da combinação de sabores, texturas e aromas que contam uma história e tocam quem a prova. Deixaremos de criar apenas "coisas boas" para passar a criar momentos. A pergunta deixará de ser "O que é que o cliente vai provar?" para ser "O que é que eu quero que o cliente sinta?".

Estes quatro pilares – Produto Local, Resgate da Tradição, Luxo Sustentável e Pastelaria de Emoções – são o meu mapa para o futuro. Um futuro com memória, com propósito e com uma identidade profundamente portuguesa.

Amanha sera melhor.

Marcio Baltasar

Márcio Baltasar, com 18 anos de experiência em pastelaria, iniciou sua carreira no Pestana Palace, Lisboa, passando pela Confeitaria Nacional, Land Vineyards, e Areias do Seixo, Espanha (pastelaria Sauleda e Dolç par Yann Duytsche) e Londres( Notting Hill kitchen by Luis Baena Estabeleceu-se no Algarve, no restaurante Ocean, premiado com 2 estrelas Michelin. Em 2022, foi reconhecido como Melhor Pasteleiro do Ano. Atualmente, entre trabalhos de assessoria , Baltasar continua a influenciar a culinária com sua maestria e paixão.

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